quarta-feira, 27 de junho de 2012

Palavras que ajudam

 Ganhei da mãe de um paciente, na radioterapía, um exemplar de Mensagens Cordeirão para Reflexão, uma série de pequenos artigos sobre espiritualidade e vontade de viver bem e em paz.

Abri ao acaso: "Tu rezas em tua angústia e em tua necessidade; deverias rezar também na plenitude de tua alegria e nos dias de abundância" . Mensagem do grande Gibran Khalil Gibran, um poeta libanês autor de O Profeta.

Admiro a fé, ainda embutida, daqueles que se esforçam em negar a existência de um Guia Maior nas nossas vidas.

Efeito inesperado

 A radioterapía me surpreende. Em vez de tirar o apetite, tem provocado uma fome danada.

Ontem, almocei duas vezes em um intervalo de três horas e meia.

A radioterapia, porém, tem me dado muita alegria. Minha libido tem estado lá no alto.

Pena que não posso fazer no mesmo intervalo de tempo.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Mulher silenciosa

Todas as manhãs, no mesmo horário, ela chega em uma maca empurrada por dois enfermeiros que a retiram de uma ambulância.

Magra, cabelos curtos, olhos fixos no teto ou fechados, quase sempre, silenciosa na fala e nos gestos.

Aos poucos, na última semana, ela mostra uma cor mais viva no rosto e mais disposição. Às vezes, me surpreendo ao vê-la tentando olhar timidamente para os lados, o que não fazia antes.

Hoje pela manhã, ela fechou os olhos e deixou escapar uma carinha de prazer quando um dos enfermeiros acariaciava a sua cabeça. Não sorriu, mas permitiu que seu rosto resplandecesse (iluminasse?) por um curto momento.

Acho que melhora (pelo menos é o meu desejo).

Disciplina diária

 A radioterapia me tem oferecido disciplina, assiduidade e disposição para cumprir o calendário de 33 sessões estabelecidas pelo médico oncologisata Jonathan Melo contra o câncer.

Aprendo a acordar todos os dias com o despertador, corro para o banho frio e tomo chá de camomila frio (proibição de bebidas e comidas quentes) com frutas, pão e pedaço de queijo. Antes tomo os remédios para controlar a pressão e o refluxo (pressão e refluxo até agora sob controle).

O ruim é esperar pelo ônibus que chega sempre lotado e sem lugar para sentar. Piora nos dias de chuva com o trânsito engarrafado (por que os motoristas não sabem dirigir na chuva e a escapar de um carro ou ônibus parado?).

Graças aos céus que faço do celular um radinho para ouvir a minha JC/CBN, a rádio que fica comigo durante todo o dia. Só não posso ouvir mais a Rádio Jornal porque o celular não pega AM (perco as entrevistas do querido Geraldo Freire, mas posso ouví-las na redação do jornal pela internet).

Histórias de vida

Muitas vezes me surpreendo com a força de vida que toma conta da sala de espera do setor de radiologia do Hospital Real Português.

Essa força se manifesta principalmente quando a cena é muito forte, como a chegada de um paciente em estado deplorável por causa da quimioterapia e desgaste físico ou quando o riso corre solto, contagiando a todos, pacientes e seus acompanhantes.

No primeiro caso, a reação dos olhos é acompanhar a passagem, alguns até ensaiam um gesto de OK com a mão e outros parecem fazer uma breve prece, um pedido a seu santo ou uma torcida interior como se estivesse a dizer "Estou aqui, não desista".

O melhor riso, porém, é quando ele se transforma em gargalhada com as histórias contadas por alguns pacientes. São lembranças de uma vida, amores passado, pura gréia com a amigos e familiares. E cada um tem a sua maneira de contar os causos. Alguns, detalhistas; outros, salientando apenas a chacota, o absurdo da situação ou mesmo a pieguice do fato que nos faz sentir vivo.

Já disse antes o que torno a lembrar: engana-se quem pensa que a sala de espera da radioterapia é antesala da morte.

Ali existe uma força invisível, mas conhecida de todos, que nos une, incontrolável: a vontade de vencer o câncer e viver, viver e viver.

Máscara de ferro

Perguntam como é essa tal "máscara de ferro" usada na radioterapia na área do pescoço e cabeça.

A foto mostra melhor que a descrição. Ela serve para evitar qualquer tentativa de movimento, até os involuntários, quando o ar parece faltar já que, no meu caso, respiro apenas pelo nariz.



A designação "máscara de ferro" é como os pacientes costumam se referir ao artefato, mas ele é feito de polietileno amolecido em água quente e moltado ainda morno no rosto e cabeça do paciente.

Confesso que não sou fã porque ele me dá a sensação de sufoco (e acabo tendo mesmo, viva a sugestão!), mas é ele que me ajuda no combate ao câncer na corda vocal. Então, tenho de aturá-lo durante as 33 sessões de radioterapia.

Pode parecer estranho, mas os poucos minutos que passo usando a "máscara de ferro", cinco vezes por semana, numa sala escura, gelada e à prova de qualquer som externo, são aqueles em que mais penso no milagre de estar vivo.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sacanagem da vida

 Os três chegaram silenciosos e quase passaram despercebidos na sala de espera da radioterapia.
O carinho do pai e da mãe, porém, chamaram a atenção.
De mãos dadas, a jovem mãe embala o filho sonolento apoiado em seu ombro. Em uma cadeira na fila imediatamente atrás, o pai abraça os dois, protegendo o seu ninho. Como ninguém é de fato tão forte como quer aparentar, ele apoia a testa na cabeça da mulher. Os três estão de olhos fechados e em sintonia. Nçao há muito o que falar além do que já foi ouvido dos médicos. 
No meio dessa trindade (santíssima, claro!), um adolescente. Na verdade, apenas um menino cansado, abatido, silencioso e imóvel. E muito provável sem entender nada, sem saber o porquê da vida lhe cobrar, tão cedo, um preço tão alto para continuar a viver.
O câncer deveria atingir apenas os que já viveram plenamente e com saúde uma vida inteira para que todos possam revalorizar a vida.
Jamais a uma criança, um adolescente, com um futuro pela frente.
Sacanagem da vida.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Flor da pele

A pele do rosto começa a ficar muito seca, a voz cada vez mais fraca e rouca e a barba (totalmente branca, meu Deus) coça muito porque cresce.

Terei de usar um hidratante infantil (se não bastassem a escova de dentes, o creme dental e o xampu, os três para crianças) urgentemente.

A radioterapia é exigente com seus pacientes.

Deixa você à flor da pele.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Rindo à toa

O homem era sério, usava óculos e caminhava a passos largos. Passou pelos pacientes na sala de espera da radioterapia do Real Hospital Português como um jato. Sem olhar para os lados, nem para as pessoas, bateu com a cara na porta de vidro, por pouco não arrancando todo o portal.
 
Bastou um encontro tipo comédia pastelão para todos na sala caírem na maior risada.
 
Risada foi pouco: gargalhada pra deixar qualquer um incomodado, como ficou o pobre do coitado que deixou o prédio sem olhar para trás e sem parar para ver se a porta estava quebrada. Bom mesmo foi ver algumas senhoras sacudindo-se toda como crianças e compartilhando a zoada criada pelos mais jovens.
 
Erra quem imagina que uma sala de espera de uma radioterapia é lugar sinistro, triste e deprimido.
 
É bom que se entenda de uma vez por todas: ali estão reunidas pessoas que procuram viver e querem viver.
 
Ali se espera pelos cuidados médicos ao paciente, o câncer é uma consequência.
 
 

Laços de família

Minha irmã Regina Lúcia está na Itália com o marido e os dois foram até a província de Mugnano del Cardilane, perto de Nápoles, para ver a casa onde meu avô Paschoal Poppa, pai de minha mãe, Edméa, nasceu.

Aproveitaram para passar na prefeitura local para tirar cópia da certidão de nascimento dele (12 de abril de 1904) e procurar pelos parentes desconhecidos e distantes.

Meu avô chegou com seus pais, Antonio e Maria Ingrazia, ao Porto de Santos, em 1914, fugindo do início da Primeira Guerra Mundial. A família foi viver em São Paulo, onde o meu nôno foi sapateiro, tocava violino e criou os filhos. Meu avô Paschoal realizou o maior sonho de sua vida na década de 1960. Tornou-se cidadão brasileiro. Ele já que era corintiano de alma e coração.

Regina Lúcia prometeu enviar fotos da casa, da prefeitura, da cidade e dos parentes que encontrar por lá.

Hoje pela manhã, via sucessivos torpedos, mostrou-se muito emocionada pelo encontro com o seu (nosso) passado.

A família é o melhor remédio para a cura de qualquer doença.

sábado, 16 de junho de 2012

Coisa de irmão

Fácil saber apenas pelo olhar qual dos dois irmãos sofre.
 
Sentados na frente da mãe, que não desgruda o olhar, eles se parecem e se reconhecem, mas um deles carrega aquele olhar voltado para o chão, silencioso, quase sem movimentos. Bem diferente do sadio que percebe a todos que entram na sala de espera da radioterapia, atento ao celular e ao irmão ao lado, que por muito pouco estaria com a cabeça no ombro amigo.
 
Os três formam uma família e se apoiam mutuamente. Visualizo a certeza de como a família é importante para a cura e tratamento de câncer. Principalmente quando o irmão doente é bem jovem, bonito, com gosto para se vestir e usar o relógio, a bermuda de grife, a sandália confortável. Deve ter no máximo 19 anos.
 
Que merda!
 
O silêncio entre os três é comovente, conversam pelo olhar até quando o filho paciente retira dos frascos alguns remédios. O irmão fica ao lado para dar o sustento físico, a mãe imediatamente sai para buscar o copo d'água.
 
E aí acontece o milagre, a mudança. Tudo repentinamente.
 
O irmão sadio coloca o braço atrás do doente, aperta e sacode aquele corpo que parece desabar. Como a dizer, "Ei, cara, estou aqui, não vou deixar você cair".
 
E o outro, até então apático, responde com um sorriso, acredito o mais aberto e agrdecido que pode oferecer no momento.
 
E a vida parece se iluminar.
 
Coisa de irmãos.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Gente atenciosa

Sheila Borges, jornalista da editoria política do Jornal do Commercio, passa por mim: "Como foi hoje?", perguntou sobre mais uma sessão de radioterapia. "Foi ótimo", respondi. "Agora você já está achando ótimo até a radioterapía?", quis saber, na brincadeira. "Não dói nada, juro!", revelei.

Sim, achei ótima porque já estou me acostumando com a "máscara de ferro" que impede qualquer movimento involuntário (e voluntário, claro) do pescoço e da cabeça. Já estou até respirando melhor apenas pelo nariz, já que a boca fica prensada e fechada pela tal máscara.

O problema é saber controlar a respiração com os batimentos cardíacos que, no meu caso, aceleram por causa da secura na boca e a dificuldade em engolir o que sobrou da saliva. Mas nada cruel, horroroso e que não possa ser vencido com o tempo. Espero.

A tal "máscara de ferro" é o nome que os pacientes dão a uma máscara de polietileno (uma espécie de plástico) transparente que é moldada, ainda quente, no rosto e que, ao esfriar, endurece tomando a forma de parte da cabeça, rosto e pescoço.  A máscara é leve e permite a entrada de luz e ar.

Deitado, o paciente recebe a máscara a cada sessão e a mesma é presa à mesa para que a máquina de radioterapia, totalmente controlada por computador, aja apenas na área delimitada pelo médico radiologista, no meu caso, pelo doutor Jonathan Melo, do Real Hospital Português.

A máquina, de último tipo, é semelhante a que existe no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde o ex-presidente Lula fez as sessões de radioterapia,

Mas o que me faz me sentir melhor a cada dia na sessão de radioterapia é a gentileza, a generosidade e o profissionalismo que enfermeiras, médicos e técnicos em radiologia recebem a todos os pacientes de câncer diariamente.

É emocionante ver tanta doação de carinho a quem necessita, na verdade, de mais afeto que radiação.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cuidados infantis

Xampu de camomila para criança. Pasta dental infantil (Tandy ou Senninha!!!). Escova de dente super-macia para criança. Sabonete líquido de camomila para criança.Toalha macia de algodão.

São alguns dos artigos que já frequentam o armário do banheiro de casa e a bolsa a tiracolo (pasta de dente e escova) que não abandono durante o dia. Exigências da radioterapia para que não aja risco de infecção na pele, na boca e no cabelo. Todo cuidado é pouco, advertem os médicos e enfermeiros.

E ainda tem aquele efeito, que ainda não chegou, da boca seca. Para isso, há algumas recomendações médicas (Oral Balance, Salivan, Saliva Artificial, Malvatricin Boca Seca em spray).

Fora isso, adeus por um tempo (o da radioterapia) ao protetor solar e a qualquer tipo de creme ou produto no rosto e pescoço. Até perfume, coitado de mim, acostumado a tomar banho com as colônias cítricas, a partir de agora só do tóxax para baixo.

O mais difícil está sendo retirar o limão, a laranja, as frutas cítricas de meu cardápio diário. E adeus às pimentas, aos molhos e condimentos picantes e alimentos quentes, duros e pegajosos. Estarei dando preferência aos alimentos em tempatura ambiente, de consistência pastosa e líquida.

Já estou vendo a farra que farei ao final da radioterapia: voltarei com toda a alegria e fome aos suhis e sunomonos e ao atum e salmão encharcados no shoyo e wasabi.

Papai Noel fora de tempo


Não dá para tirar um sarro. O câncer na laringe (no meu caso, corda vocal) tem lá a sua graça e um certo humor.

Não posso mais fazer a barba a partir de agora por causa da radioterapia. A pele fica muito sensível, vermelha e em alguns casos até escura e todo o cuidado é pouco, advertiu o médio Jonathan Melo, do Real Hospital Português, o radiologista que fez o plano da radioterapia e que acompanha meu caso (ele é um dos meus anjo da guarda).

Então poderei ver, enfim, como ficarei de Papai Noel - barba branca e gordo (temporariamente, espero), prato cheio para qualquer publicitário (rsss) ansioso para antecipar uma campanha natalina.

Jamais quis exibir barba branca, nem em bigode branco, apesar de durante 20 anos ter usado uma bem-tratada e cheirosa barba castanho-claro. Achava que, branca, revelaria por antecipação o avanço da idade (64).

A vida me pega cada peça!

O lado útil da radioterapia para quem tem barba cerrada como a minha (sangra em dois ou três pontos no pescoço), com a obrigação de fazê-la todas as manhãs, é que a radio matará de vez com a barba na altura do pescoço.

Ainda bem!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Olhos nos olhos



Ela entrou devagar na sala, comos se não quisesse nada. Negra, alta, cabelos recentemente cortados, quase rapados.

Uma bolsa grande marron e um vestido longo coloridíssimo contrastavam com as sandálias havaianas brancas, quase imaculadas. Passou por mim olhando para a frente, talvez tímida, por certo desconfortada, como eu, por estar na sala de espera da radioterapia pela primeira vez.

Ela percebeu de cara que eu a encarava e sorriu. "Gostei", apontei para o cabelo. "Gostei muito", acrescentei tentando mostrar convicção. "Que voz rouca é essa, irmão?", questionou a desconhecida. Contei resumidamente, mas bem rápido, sem perceber que ela já me estendia as duas mãos abertas para o toque da amizade, como as galeras e os namorados fazem. "Vamos vencer juntos, companheiro", vaticinou com a voz grave.

Sem graça, pego de calças curtas, perdi o rebolado e a resposta. Olhos marejados, como os meus, me fitavam firmemente, me viam por dentro, por certo.

Ela seguiu então em frente, sentou-se do outro lado da sala e foi chamada antes.

Quando deixei a sala, ela já tinha ido embora. Agora, torço para revê-la. Para agradecer ou receber de novo aquele sorrizão generoso.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ânimo redobrado



Manhã paulistana no Recife: garoa fina, um pouco de frio (rssss) e um bom banho gelado para despertar e caminhar um tempo. Presentes que a vida dá aos poucos e que eu apreendo a transformar em ânimo diário.

Tudo após uma boa noite de sono ( e frio, que maravilha!).

PS: Releio após vinte anos o maravilhoso Tempo dos Flamengos (Instituto Ricardo Brennand/TopBooks), do professor José Antônio Gonsalves de Mello, neto (como escrevia o grande Gilberto Freyre).

Cada vez mais entusiasmado com a história de Pernambuco e com as consequências da invasão holandesa.

domingo, 10 de junho de 2012

Basta de queixas



"Queixar-se e culpar os outros andam de mãos dadas. São desculpas fáceis para recebermos um pouco de energia enquanto abrimos mão do controle sobre nossas vidas. Nos permitem não ser a causa de nossa criação. Tiram de nós a responsabilidade pelo que acontece conosco.

"Quer assumir o controle de sua vida? Pare de se queixar e procure razões mais profundas para o que está acontecendo. Busque respostas e as portas se abrirão".

Trecho da Cabala enviado pelo amigo Schneider Carpeggiani, de Barcelona, onde corre diariamente na praia e curte as férias em catalão.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Aprendiz de paciente



Tenho aprendido muito com os pacientes de câncer no Real Hospital Português.

Nós, que carregamos a doença e lutamos contra ela diariamente, temos algo em comum que nos solidariza, une e fortalece.

E nos identifica.

O câncer muda a minha cabeça já que a alma está em paz.

O Blog ganha Vida



Gustavo Belarmino (@belarmino), um dos responsáveis pelo sucesso diário do portal NE10, do Sistema Jornal do Commercio, é o artista que ilustra e dá Vida ao blog.

Ele é danado na arte de desenhar no iPad (2, 3, 4, 5 ...), com o dedo ou com uma canetinha que encontrou na Rua 25 de Março, em São Paulo, por menos da metade do preço cobrado no Recife. E é danado, também, para descobrir e solucionar os macetes da internet e não deixar ninguém no SJCC sem uma resposta a uma dúvida.

Companheiro atencioso, sempre bem-humorado, profissional. Quem quer mais?

Gus, obrigadão!

PS: Gustavo, por favor, dê de presente à Paulinha Schver (@paulaschver) um desenho seu!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Anjos da Guarda



Para quem passou a maior parte da vida sem procurar médico, corri para o doutor João Veiga, amigo de Aldo Vilela (JC/CBN Recife) e Geraldo Freire (Rádio Jornal) e meu amigo.

"O que fazer? Não conheço ninguém", confessei assustado. Para quem soube, bem ou mal, desenvolver pautas no jornalismo, estava completamente perdido. Tinha perdido o lead.

Mas João Veiga sempre soube apontar o melhor caminho, até para encontrar a melhor comida de boteco, mesinhas fartas em estradas, feijão, arroz e farinha de inimagináveis procedências e origens em pequenos armazéns no Interior do Estado.

E as soluções vieram com ele. E, com ele, uma Legião de Anjos, os da Guarda, de primeiro time, que passaram a cuidar de mim a pedido do amigo comum: o cirurgião de cabeça e tórax Bartolomeu Melo, o cardiologista Sérgio Azevedo, o radiologista Jonathan Melo. Estou em ótimas mãos. Anjos com corações e mentes.

Todos do Real Hospital Português, no Recife, uma gratíssima revelação para um jornalista: profissionalismo dos funcionários, equipamentos top de linha (similares ao do Sírio-Libanês, em São Paulo, o hospital dos presidentes) e a gentileza como são tratados os pacientes. Além de uma limpeza impecável.

No Real Hospital Português, posso sentir isso,  respira-se muito mais vida que morte. Convenhamos: para um paciente, fundamental para tratamento e cura.

Lição de vida

"Tem uma coisa que o câncer não suporta: alegria e vontade de viver".



Conclusão do jornalista João Valadares, hoje em Brasília, meu companheiro durante anos na redação do Jornal do Commercio, no Recife.

João Valadares sabe o que fala: sua mãe enfrenta um câncer há cinco anos com muita dignidade, força, coragem e amor. E ainda compartilha a experiência através do blog Turbante de Naire .

Naíre dá uma lição de vida. 

Frutos da terra



Seu Lula é trabalhador rural na Mata Sul de Pernambuco, 74 anos, negro, 1,60m de altura. Homem forte, olhos negros e brilhantes. Fala mansa, que encara a gente nos olhos.

Fui apresentado a ele pelo médico Bartolomeu Melo, cirurgão de cabeça e pescoço, que cuida de mim e dele.

"Você vai compreender o que eu vou dizer, mas ele não vai não", me encarou seu Lula apontando para Bartolomeu Melo. "Ele é o meu salvador e será o seu. Um anjo que chegou na minha vida e estará na sua a partir de agora", me disse numa confissão íntima e sincera, em voz baixa, em pé num corredor hospitalar, para o constrangimento aparente do médico diante de tanta verdade.

"Vencemos o câncer, ele e eu. agora ele me trata como um menino", choramingou Seu Lula, com os olhos tão marejados que não pude deixar de enxergar nele um garotinho de pele maltratada pelo sol e mãos calejadas pelo trabalho suado e sofrido no campo. E, apesar desses sinais testemunhais de uma vida, Seu Lula é suave como a brisa que bate no rosto na gente em dia quente de sol a pino.

Minha reação foi abraçá-lo em silêncio, não precisava comentar nada. Seu Lula tinha dito tudo. Só não segurei o choro, foi demais para quem sabia, como eu, que estava a dois dias de uma biópsia que confirmaria o câncer.

E ali ficamos os três, emocionados, sem graça e radicalmente unidos pela doença.

Seu Lula teve um câncer de laringe e está em manutenção técnica há três anos, exame que faz mensalmente com o dr. Bartolomeu Melo. Ele foi paciente do Hospital Oswaldo Cruz, onde foi operado e fez o tratamento, mas como o aparelho de vídeolaringoscopia, essencia para o exame de acompanhamento da doença, está quebrado há muitos anos, o doutor Bartolomeu Melo o recebe em seu consultório no Real Hospital Português para a manutenção mensal - o profissional não abandona seu paciente, procura caminhos, atalhos e saídas para o melhor atendimento e a busca da saúde.

Pelo menos é como ensina e pratica o doutor Bartolomeu Melo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Efeitos colaterais



O que já aprendi com a doença: que sou "morrível", na correta expressão da jornalista Luisa Modesto, do meu JC. Que não sou o centro do mundo. E que deixei de ser vítima da doença. Mas continuo com um baita mêdo da morte. Sou um cagão!

O melhor remédio



Descobri que o melhor remédio para o câncer está bem aqui ao meu lado: tantas manifestações de solidariedade, amizade, carinho e afeto. Não posso querer mais. Obrigadão a todos, sempre!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Diagnóstico certeiro



O primeiro diagnóstico chegou após uma videolaringoscopia, a primeira após um ano de tosse, rouquidão e perda progressiva da potência da voz. Tive até de abandonar, por minha iniciativa, a Rádio JC/CBN Recife onde tinha, diariamente, às 16h45, alguns minutos ao vivo com o radialista Aldo Vilela para comentar, quase sempre, a política pernambucana e nacional, o que me dava enorme prazer e para o qual passava o dia me preparando.

A parceria com Aldo Vilela não tinha roteiro, nem texto. Eram improvisos diários, espontâneos e bem críticos. Há 25 anos não consultava um médico para exames e ainda me gabava que nunca ficava doente. Que idiota. "É um tumor na corda vocal, não dá para saber se maligno ou benigno, mas tem todas as características de maligno", revelou o otorrinolaringolista Luiz Antonio Barbosa da Silva.

O que faço agora?, indaguei. "Procure um cirurgião de cabeça e tórax", aconselhou. Os primeiros quatro dias foram terríveis, inesquecíveis. "Puxaram meu tapete, preciso de mais cinco anos para ler, reler, escrever e ouvir música, meu Deus", lamentava em silêncio, tentando uma negociação com Ele. Era, afinal, a maior vítima do mundo enquanto as pessoas ao meu redor exibiam uma invejável saúde. Morria de mêdo de morrer.

Este blog nasceu de uma piada



Quando o sambista Xico de Assis, responsável pelo arquivo do Jornal do Commercio, ficou sabendo do resultado da biópsia, ficou mudo, pelo menos durante um minuto, o que é um tempão para ele ficar sem falar. "Mas, Scarpa, veja o lado bom da coisa. Você está imenso de gordo, vai ficar magrinho, careca, poderá fazer tatuagens e usar roupa de grife tamanho 42. Vai ser o máximo", ponderou.

Sem mais, deu uma sonora gargalhada no meio da redação, virou as costas e se mandou. Assustado com a reação, comecei a rir. E pensei: Preciso dividir o que tenho ouvido, vivido e sentido. A partir de agora, entro em uma nova etapa de minha vida aos 64 anos e onze meses antes da aposentadoria por tempo de vida e de serviço.

Tenho um câncer na corda vocal direita, inicio a radioterapia e continuo apaixonado pela vida. Agora, de uma maneira diferente. Afinal, um câncer não é alguma coisa que esperamos nem desejamos a ninguém.